segunda-feira, 15 de abril de 2019

A criança no banco de trás

“A criança no banco de trás. O pai sendo fuzilado com oitenta tiros na frente dela. A mãe também está no carro. Ela está desesperada. Ela sai do carro e mostra a criança para os soldados do exército, pede para que eles parem. Eles não param. Eles continuam matando. A criança está suja de sangue. Ela tem sete anos. O pai foi fuzilado na frente dela. Com oitenta tiros. O avô dela também foi fuzilado dentro do carro. A criança vai ter que enterrar o pai. O exército inventa uma mentira. O exército publica uma nota oficial inventando que, na verdade, o pai estava atirando contra os soldados. Muita gente acredita porque, no Brasil, muita gente adora a violência do exército, da polícia. E no Brasil muita gente acha que quatro pessoas negras em um carro provavelmente são bandidas mesmo. A criança fica traumatizada. As semanas passam. A psicóloga diz que é bom a criança voltar às aulas para retomar a sua vida. A mãe, ainda em pedaços, leva a criança até a porta da escola, deixa uma fruta embrulhada em um guardanapo e dá um beijo na sua testa. Esconde o choro. A criança, sozinha, reencontra os amigos. Um deles fala: “Ouvi falar que o seu pai era bandido”. Por Artênius Daniel