segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Ainda Fernanda Young

Fernanda Torres, sobre a morte de Fernanda Young:

"Por caminhos que ninguém explica, nos fundimos numa mesma Vani. Por três anos de série e duas películas dos Normais, fui seu alter ego anárquico e desconcertante. Ganhei de bandeja um ser tão potente, tão fruto das qualidades da Young, que acabei me tornando ela. Me tratavam, até hoje me tratam, de doida demais na rua; riem comigo e agradecem o prazer da convivência com aquela alma liberta. Minha persona pública se mesclou com a da Fernanda sem que eu tivesse que ter o peito, a ousadia e a coragem dela de encarar a cafonice do mundo, de denunciá-la e virá-la do avesso.

Fernanda e Alexandre [Machado] são dois punks que se travestiram de cordeiros, de noivos, de normais, para incitar a loucura geral da nação. E eu e Luiz Fernando Guimarães surfamos na pele deles, do Rui Alexandre e da Vani Fernanda, no melhor “ménage a quatre”, na melhor das orgias que um ator pode sonhar participar.

Por isso, a morte dela é também a minha, a de nós todos. Tão nova, e linda, e mãe, e mulher pra cacete. Como é possível? Passado o estupor da notícia, me veio a tristeza imensa, imensurável, de quem perdeu uma parte de si mesmo. Só posso explicar assim."

A última coluna de Fernanda Young

A última coluna de Fernanda Young, publicada em O Globo. Vale muito a leitura.

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Bando de cafonas

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.

A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

A criança no banco de trás

“A criança no banco de trás. O pai sendo fuzilado com oitenta tiros na frente dela. A mãe também está no carro. Ela está desesperada. Ela sai do carro e mostra a criança para os soldados do exército, pede para que eles parem. Eles não param. Eles continuam matando. A criança está suja de sangue. Ela tem sete anos. O pai foi fuzilado na frente dela. Com oitenta tiros. O avô dela também foi fuzilado dentro do carro. A criança vai ter que enterrar o pai. O exército inventa uma mentira. O exército publica uma nota oficial inventando que, na verdade, o pai estava atirando contra os soldados. Muita gente acredita porque, no Brasil, muita gente adora a violência do exército, da polícia. E no Brasil muita gente acha que quatro pessoas negras em um carro provavelmente são bandidas mesmo. A criança fica traumatizada. As semanas passam. A psicóloga diz que é bom a criança voltar às aulas para retomar a sua vida. A mãe, ainda em pedaços, leva a criança até a porta da escola, deixa uma fruta embrulhada em um guardanapo e dá um beijo na sua testa. Esconde o choro. A criança, sozinha, reencontra os amigos. Um deles fala: “Ouvi falar que o seu pai era bandido”. Por Artênius Daniel

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

#Deficiêncianaoépiada

Lembro da primeira vez que fui chamada de Capitão Gancho: foi um colega do prézinho, numa aula de educação física (que era meu maior pesadelo durante os anos de escola), onde ele lamentava que a Capitão Gancho aqui ficou no time dele e ele obviamente iria perder por causa disso. Desde então, entendi que meu corpo era motivo de piada simplesmente por ser como era, um pouco diferente do "comum". Por muito tempo eu fingi que achava engraçado essas piadas, mas ao mesmo tempo eu me achava cada vez mais feia e buscava formas de usar roupas e poses estratégicas pra esconder minha deficiência. Como todo mundo acha super normal zoar com a deficiência alheia, levei MUITO tempo pra conseguir ter confiança suficiente para me impor e dizer que não tá tudo bem fazer meu corpo de chacota. vocês não imaginam o quanto me dói ver um comediante de um alcance enorme como o Thiago Ventura fazendo graça em cima de esteriótipos ultrapassados, e o amigo Whindersson Nunes defendendo esse tipo de humor e ainda chamando de "inclusão". Mas o que mais me dói é ver a dona Netflix bem quietinha lucrando em cima da dor da parcela mais excuída da sociedade. Fiz um vídeo explicando bem direitinho o porque que #DeficiênciaNãoÉPiada e ainda dou dicas de como esses humoristas podem fazer para incluírem DE VERDADE as pessoas com deficiência nos seus shows. (Mariana Torquato)