sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Nem tanto...

A primeira vez.
De Tati Bernardi.

Você sempre me disse que sua maior mágoa era eu nunca ter escrito um
texto sobre você. Nem que fosse te xingando, te expondo. Qualquer coisa.
Você sempre foi o único homem que me amou. E eu nunca te escrevi nem
uma frase num papelzinho amassado.
Você sempre foi o único amigo que entendeu essa minha vontade de abraçar
o mundo quando chega a madrugada. E o único que sempre entendeu
também, depois, eu dormir meio chorando porque é impossível abraçar
sequer alguém, o que dirá o mundo.
Outro dia eu encontrei um diário meu, de 99, e lá estava escrito “hoje eu
larguei meu namorado sentado e dancei com ele no baile de formatura”. Ele,
no caso, é você. Dei risada e lembrei que em todos esses anos, mesmo eu
nunca tendo escrito nenhum texto para você, eu por diversas vezes larguei
vários namorados meus, sentados, e dancei com você. Porque você é meu
melhor companheiro de dança, mesmo sendo tímido e desajeitado.
Depois encontrei uma foto em que você está com um daqueles óculos
escuros espelhados de maconheiro. E eu de calça colorida daquelas
“bailarina”. E nessa época você não gostava de mim porque eu era a bobinha
da classe. Mas eu gostava de você porque você tinha pintas e eu achava isso
super sexy. E eu me achei ridícula na foto mas senti uma coisa linda por
dentro do peito.
Aí lembrei que alguns anos depois, quando eu já não era mais a bobinha da
classe e sim uma estagiária metida a esperta que só namorava figurões (uns
babacas na verdade), você viu algum charme nisso e me roubou um beijo.
Fingindo que ia desmaiar. Foi ridículo. Mas foi menos ridículo do que aquela
vez, ainda na faculdade, que eu invadi seu carro e te agarrei a força. Você
saiu cantando pneu e ficou quase dois anos sem falar comigo.
Eu não sei porque exatamente você não mereceu um texto meu, quando me
deu meu primeiro cd do Vinícius de Morais. Ou quando me deu aquele com
historinhas de crianças para eu dormir feliz. Ou mesmo quando, já de saco
cheio de eu ficar com você e com mais metade da cidade, você me deu aquele
cartão postal da Amazônia com um tigre enrabando uma onça.
Também não sei porque eu não escrevi um texto quando você apareceu
naquela festa brega, me viu dançando no canto da mesa, e me disse a frase
mais linda que eu já ouvi na minha vida “eu sei que você não gosta de mim,
mas deixa eu te olhar mesmo assim”.
Talvez eu devesse ter escrito um texto para você, quando eu te pedi a única
coisa que não se pede a alguém que ama a gente “me faz companhia
enquanto meu namorado está viajando?”. E você fez. E você me olhava de
canto de olho, se perguntando porque raios fazia isso com você mesmo.
Talvez porque mesmo sabendo que eu não amava você, você continuava
querendo apenas me olhar. E eu me nutria disso. Me aproveitava. Sugava seu
amor para sobreviver um pouco em meio a falta de amor que eu recebia de
todas as outras pessoas que diziam estar comigo.
Depois você começou a namorar uma menina e deixou, finalmente, de gostar
de mim. E eu podia ter escrito um texto para você. Claro que eu senti ciúmes
e senti uma falta absurda de você. Mas ainda assim, eu deixei passar em
branco. Nenhuma linha sequer sobre isso.
Depois eu também podia ter escrito sobre aquele dia que você me xingou até
desopilar todos os cantos do seu fígado. Eu fiquei numa tristeza sem fim.
Depois pensei que a gente só odeia quem a gente ama. E fiquei feliz. Pode
me xingar quanto você quiser desde que isso signifique que você ainda gosta
um pouquinho de mim.
Minhas piadas, meu jeito de falar, até meu jeito de dançar ou de andar. Tudo
é você. Minha personalidade é você. Quando eu berro Strokes no carro ou
quando eu faço uma amiga feliz com alguma ironia barata. Tudo é você.
Quando eu coloco um brinco pequeno ao invés de um grande. Ou quando eu
fico em casa feliz com as minhas coisinhas. Tudo é você. Eu sou mais você do
que fui qualquer homem que passou pela minha vida. E eu sempre amei
infinitamente mais a sua companhia do que qualquer companhia do mundo,
mesmo eu nunca tendo demonstrado isso. E, ainda assim, nunca, nunquinha,
eu escrevi sequer uma palavra sobre você.
Até hoje. Até essa manhã. Em que você, pela primeira vez, foi embora sem
sentir nenhuma pena nisso. Foi a primeira vez, em todos esse anos, que você
simplesmente foi embora. Como se eu fosse só mais uma coisa da sua vida
cheia de coisas que não são ela. E que você usa para não sentir dor ou
saudade. Foi a primeira vez que você deixou eu te olhar, mesmo você não
gostando de mim.
E foi por isso, porque você deixou de ser o menino que me amava e passou a
ser só mais um que me usa, que você, assim como todos os outros, mereceu
um texto meu.

Tati Bernardi é cronista do Blônicas.


NEM EU NÃO QUERO MAIS!!!!!!!!!